Cadernos de Sombras em Tomar - Visitas orientadas por Jaime Silva




Visitas orientadas pelo Pintor Jaime Silva
· 25 de Novembro às 15h00
· 9 de Dezembro às 15h00

Núcleo de Arte Contemporânea 2 - Galeria de Exposições Temporárias
Edifício do Turismo - Av. Cândido Madureira
Distrito: Santarém
Concelho: Tomar
Entrada Livre

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Jaime Silva expõe Cadernos de Sombras em Tomar


Cadernos de Sombras de Jaime Silva

De 18 Outubro a 31 Dezembro 2014
Galeria de Exposições Temporárias NAC.2, Tomar




Está patente ao público até final do ano em Tomar uma mostra de desenho de Jaime Silva, intitulada “Cadernos de Sombras”, composta por cerca de duas centenas de desenhos em formato A5, executados entre os anos de 2008 e 2010. A exposição foi inaugurada no dia 18 de Outubro na galeria NAC.2, no Edifício da Comissão de Iniciativa e Turismo, em Tomar.

A nova galeria NAC.2, no Edifício da Comissão de Iniciativa e Turismo, em Tomar, acolhe as exposições temporárias do Núcleo de Arte Contemporânea, resultante da doação feita por José-Augusto França à sua cidade natal de parte da sua colecção, que permite reconstituir parte significativa da História da Arte Portuguesa do século XX aos nossos dias.

Natural de Peso da Régua, onde nasceu em 1947, Jaime Silva é licenciado pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. Foi fundador do Grupo Puzzle em 1975, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris em 1977 e 1978 e professor de Pintura no AR.CO de 1983 a 1987. Professor responsável do Curso de Pintura da Sociedade Nacional de Belas Artes desde 1987, foi director artístico da Galeria Municipal de Montijo de 1999 a 2011.

Fez parte do júri de várias exposições e comissariou várias outras. Já em 2014, coordenou a exposição ARTEHOJE na SNBA. Foi agraciado com a medalha de mérito atribuída pela Câmara Municipal de Peso da Régua.

Segundo o texto que acompanha a exposição, da autoria do Professor José-Augusto França, o pintor está consciente da problemática e da verdade do Desenho, como “a razão de ser de todo o gesto que há milénios o homem pratica para se integrar na Natureza – sempre na relação de cheios e vazios do grande espaço que habita.”

Nessa exacta medida, estabelecem os desenhos dos “Cadernos de Sombras” um “equilíbrio dinâmico entre o cheio e o vazio (…) o desenhado e o não-desenhado”, articulando-se “os grandes espaços negros das folhas (…) com os grandes espaços brancos do papel, entre ambos se dispondo o traçado das linhas que assegura a articulação orgânica da folha desenhada, na sua totalidade de opostos e contradições”.



Quarta a domingo entre as 10h e as 13h e entre as 14h e as 18 horas.
Núcleo de Arte Contemporânea 2 - Galeria de Exposições Temporárias
Edifício do Turismo - Av. Cândido Madureira
Distrito: Santarém
Concelho: Tomar
Entrada Livre

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"Jaime Silva um Percurso(r)"

um texto de Luís Filipe Rodrigues
A arte não é universal. Se perguntarmos a cinco pessoas de cultura ocidental o que pensam sobre uma obra de arte, as respostas serão diversas. Se perguntarmos também o mesmo a mais cinco pessoas, mas, de cultura oriental, as respostas poderão ser mais diversas. Se perguntarmos o mesmo a uma pessoa hoje e daqui a um mês, ou, mesmo, agora e daqui a uma hora, a resposta poderá ser diferente. Tudo depende do momento, dos valores, das referências culturais (e eventualmente políticas e religiosas), da situação social, etc. O discurso que cada um profere acerca do que entende sobre determinada obra é subjetivo, mesmo que dê lugar a um processo de intersubjetividade. É aqui que me posiciono.
No caso de os diferentes discursos se poderem uniformizar, não significa que a obra de arte é universal; significa que a obra poderá comunicar algo de implicitamente universal somente ao nível latente; significa que as pessoas, desviando-se da sua autobiografia, das suas idiossincrasias, do seu self, da sua identidade, procuram a sua inclusão no âmbito de um discurso normativo, criado pelos historiadores, críticos de arte e pedagogos.
Por outro lado, estes discursos dificilmente coincidem com o que os próprios artistas pensam (se é que pensaram nalgum discurso particular) no processo-em-si de criação do seu objeto. O artista elabora o seu pensamento paralelamente, não necessariamente de modo literal em relação à sua obra. Ao contrário do que o artista poderá ter sentido e que lhe possa ter estimulado o pensamento de alguma consideração sobre certas coisas, os discursos dos agentes do sistema artístico são elaborados apoditicamente e têm como base inferências e injunções analíticas que se coadunam num sistema. Caso estas tenham o assentimento do artista, poderá ser mais devido a questões de empatia afetiva que todos partilhamos, uns mais do que outros, que organizam as nossas ideias de acordo com valores comuns, mas não a tradução analítica e concreta de uma certa obra. Receio que seja neste contexto que vá fazer esta minha apresentação.
O discurso do artista, diria, discurso criativo subsidiário da prática artística, é basilar e é inédito, sempre que aconteça a partir de uma fratura com os discursos antecedentes e sob a forma prática. O discurso sobre a arte é autossuficiente dentro do sistema no campo da arte, e, quando desconstruído, dá lugar a outro discurso, alicerçado em matrizes só aparentemente diferentes, tudo depende das correntes de crítica artística. A matriz comum originária e verdadeira é a criatividade como processo de expressão libertadora do pensamento herdado, normativo e limitador. Refiro-me à criação artística como compósito de um discurso imanente onde o artista faz uma arqueologia do seu ser. É assim que contextualizo Jaime Silva e me contextualizo a mim enquanto apreciador do que conheço da sua obra e do seu discurso artístico concreto em devir.
O artista é um ser livre, se para isso trabalhar, se se apropriar de discursos e, depois de os elaborar, criar um seu através da criação. Com a designação ser-livre quero dizer: possibilidade de dizer subliminarmente coisas que, no caso de fluírem manifestamente, seriam sujeitas a juízos de superfície que poderiam ferir realidades de profundidade ao nível emocional. A estética é o resultado desse trabalho. Mesmo a obra mais concetual apresenta-se com referência a uma forma com conteúdo latente, sob pena de, num caso extremo, se inclinar para o campo da filosofia em detrimento das artes plásticas como objetos, como aconteceu, de certo modo, no concetualismo.
A forma artística é uma combinação de informações a que o artista recorre por associação livre, com efeitos na sua própria liberdade; diria, numa palavra, da sua própria felicidade. A obra é o veículo metafórico através do qual se dizem coisas profundas sem autocensuras; numa palavra, expressam-se sentimentos através de combinação de informação visual, estruturado de acordo com um discurso orientador mas não extrínseco. São poucos os que, como Jaime Silva, procuram esta verdade na arte, e com a coragem de envolver-se em transformações do seu próprio trajeto.
Teses e teorias extrínsecas que os artistas possam advogar são realidades paralelas ao eu mais profundo, embora seu corpo comum e convergente queira perceber o eu do autor num trajeto em direção seu self. É este o trajeto que estimula a criatividade e a expressão, na conceção da obra de arte; é a sua razão originária; é a matéria-prima suscetível de ser contagiada. A procura do self vai recorrer a energias da fonte afetiva e ao processo de exteriorização dessas energias. A fonte do afeto, em relação ao Mundo que nos envolve, não se coaduna com a normalização de discursos, pois esta é adversa à via da intuição sensível. Tratar-se-ia da racionalização do fluxo emotivo da vida, o que Jaime Silva contraria e inverte.
Como diz Steiner em relação a Heidegger, a teoria deste filósofo só seria verdadeiramente compreendida se alguma vez tivéssemos a hipótese de assistir às suas aulas e palestras, tal era a eficácia do fluir oral expressivo do seu discurso, abdicando da estruturação racional a que obriga a escrita. Presumo que o mesmo acontece com a obra de arte in loco, pois a realidade, ou as ideias, quanto mais diretas, mais suscitam a sensibilidade (à semelhança do espetáculo). O espetáculo visto ao vivo ou transmitido através de um texto não são o mesmo. O contágio acontece por via de um fenómeno diverso; no contacto com a obra, há um contágio subliminar que proporciona uma comunicação sem censuras nem preconceitos – ou espera-se que tal não aconteça. Ou seja, sintetize-se a experiência, abra-se a comunicação de aspetos emocionais, e desviemo-nos de sistemas fechados. Assista-se à obra de arte de Jaime Silva e elaborem-se discursos criativos sobre esse espetáculo. Não fiquemos pela qualificação de gosto/não gosto, nem pela categorização convencional das suas obras. Adira-se ao fenómeno do espetáculo cujo encenador é o artista Jaime Silva e cujos atores são suas obras.
Com os meus alunos, faço uma experiência heterodoxa: peço-lhes que escolham, não uma obra de que gostem (pois isso reduziria a análise à palavra “bonito”) mas, uma obra que lhes crie estranheza, incómodo ou embaraço, ou, numa palavra, que suspenda o pensamento, que desconstrua o pensamento prevalecente, e que, depois, traduzam por palavras o preenchimento do vácuo criado. Podem acreditar que os resultados são surpreendentes, pois o discurso, a pretexto de um objeto, revela muito dos valores, medos e desejos dos alunos; liberta-os dos obstáculos, pois falam de tudo isto sem autocensuras, uma vez que remetem as suas considerações para um objeto externo, embora se refiram ao(s) seu(s) objeto(s) interno(s). Isso acontece porque o discurso é tácito. Falar dessas estranhezas é mais indireto do que parece, pois o processo faz-se no sentido da profundidade onde existem os conteúdos mais ou menos inconscientes.
Sendo assim, não me é fácil falar de uma obra, abrangente como o prova o percurso de Jaime Silva até ao momento, sem que incorra em algumas limitações analíticas que façam o justo juízo ao que nos dá a conhecer, pois a sua obra remete para uma complexidade difícil de explanar. Mas é certo que essa complexidade é despertada, mesmo que dificilmente verbalizada.
O artista é um depósito que, mais do que absorver coisas bonitas, atrai as coisas estranhas, incómodas ou embaraçosas, dada a postura de criar necessidade de se readaptar a novas experiências, através da reformulação e alteração das ideias convencionais e consensuais. O artista não procura nada que reforce o seu conforto, pelo contrário, procura zonas de desconforto do inconsciente, pois são estas que desestabilizam a plataforma da consciência, obrigando-o a ajustar o seu pensamento à permanente mudança de emoções e à permanente evolução da sua própria consciência. Isto é uma espiral inevitavelmente progressiva, que pode ser mais lenta ou mais acelerada, conforme, respetivamente, nos acomodarmos ao que temos ou nos expusermos a circunstâncias incómodas, ou, melhor novas: é isto que move o processo criativo de um artista: arriscar, fazendo pontes com as coisas escondidas na sombra. O bonito é um estádio neutro; a circunstância de estranheza, de incómodo ou de embaraço é movediça – o suficiente para desfazer a estabilidade atrofiante. Tudo isto pode passar por pôr em causa a consensualidade da arte da atualidade, seja a dos outros artistas seja a sua própria prática artística, como me parece que tem feito Jaime Silva, apropriando-se dos discursos que surgem, criando uma versão sua, crítica e inédita, para além de se debruçar sobre as estranhezas e, dessa transformação, resultar algo de esteticamente sensível, complexo e inovador.
A criação vai transformar as inseguranças e inquietações – que procuramos – em quietações temporárias, pois é a partir deste fenómeno que abalaremos os alicerces para reformular a edificação do processo criativo que nos conduz para a fugaz estabilidade. Como é fácil de constatar, Jaime Silva não se acomoda a projetos longos e estáveis. Perante quietações, muda de rumo e de posturas consensuais (mesmo que individuais), e arrisca noutras metas, riscando, mesmo, as que conseguiu até ao momento. Risca, porque rasura as ideias que o possam perigosamente arrumar num estilo – e ainda bem, pois isso o imobilizaria em termos de inovação artística. Tudo tem um contexto; e quando Jaime Silva adere a um entendimento da arte vigente não o faz pela procura de inclusão ou reconhecimento, mas para entrar no corpo discursivo, para melhor o compreender e o poder alterar a partir do seu cerne, de seus valores e autobiografia, na prática criativa.
Alguém me perguntava, num congresso onde expus a minha visão sobre os desenhos que Jaime Silva expôs na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa (na exposição “Cadernos de Sombras”), o que pensava eu em relação à dualidade figuração/abstração. Nesse momento, pareceu-me uma intervenção inócua, pois indiciava a necessidade de contextualizar a sua obra em conceitos estereotipados, próprios da catalogação usada para os projetos artísticos de cada fase dos artistas. Mas hoje penso-a dando-lhe maior importância. Jaime Silva percorre a linha entre esses dois polos, algumas vezes explorando-os impondo-lhes distância. Mas não procura, do meu ponto de vista, respetivamente, uma externalização de significados que se associassem à figura, nem uma expressão catártica associada ao expressionismo abstrato. Penso que Jaime Silva pretendeu aproximar-se do que o fizesse sentido para si (o que é diferente da procura de significados), isto é, no sentido de que prosseguisse a expressão das emoções criadas pela estruturação de seus pensamentos sobre o mundo envolvente. Qualquer pensamento está carregado de afetos, de aproximação ou distanciamento da experiência com o mundo onde vivemos. É essa a fonte sobre a qual a matéria-prima é moldada.
No que disse até agora, não mencionei nenhuma obra em concreto; não fui figurativo, embora tenha falado de uma certa realidade. A obra in sito produz um espetáculo vivido individualmente de acordo com as idiossincrasias de cada um. É da experiência desse espetáculo que falo. Cada um vive o espetáculo individualmente. Portanto, embora não tenha sido figurativo no meu discurso, tentei ser concreto no que disse, pois falei do que senti no espetáculo a que assisti(o) ao ver as suas obras. Ser figurativo num discurso é arriscado, pois ancora as ideias acerca de uma emoção, e esta tem de ser livre e ser vivida pelos que assistem à obra de arte, de acordo com o discurso de livre associação de cada um.
Num caso extremo, na poesia, fala-se de coisas que nos sensibilizam, e as ideias flutuam conforme a sensibilidade e constituição interna de cada um. As ideias, aí, associam-se por ligações afetivas e através de conteúdos inconscientes. Na maioria das vezes, os nossos juízos de gosto têm a ver com isso, e o incómodo ou estranheza, de que falava antes, também. A perceção analítico-descritiva de uma obra não me interessa muito, interessa-me mais a receção espontânea, onde as associações livres ocorrem e estimulam o pensamento e a criação. Falo como artista, claro, e é nessa condição que constato que as temáticas de Jaime Silva flutuam livremente sem quererem o reconhecimento, apenas se guiando pela associação intuitiva que o artista faz com a reconhecível profundidade.
Não tratei, aqui, de falar da norma académica nem da norma do sistema crítico com referência aos trabalhos que conheço de Jaime Silva. A vida criativa de um artista rege-se pela experiência diferenciada, não sobre postulados pré-estabelecidos. É isso que a enriquece e que lhe permite as descobertas. Daí, a procura de reformulação das ideias acomodadas e daí a procura de zonas de desconforto. É esse o meu enquadramento da obra de Jaime Silva. Se essas riquezas e descobertas suscitarem a palavra belo, fecham o ciclo do fluxo artístico. O belo não se procura, como se de uma decoração se tratasse. O belo, quando existe na arte, é o resultado da transformação das estranhezas que criaram instabilidade. Se o fenómeno de vida criar uma tal instabilidade que nos incite a criar, processa-se a continuidade e abertura desse fluxo, transforma-se o instável em (temporariamente) estável. Penso que é isso que presenciamos e é isso que desenvolve a pesquisa no fenómeno criativo. Mesmo criando coisas a que possamos atribuir a classificação de belo, isso pode acontecer a partir de uma regeneração do conceito; não a partir de um acordo com o que até então assim foi classificado.
À semelhança do perigo da palavra “universal” (que mencionei no início), também existe o perigo da palavra “absoluto”. Ambas desautorizam o pensamento e ambas fragilizam a criação de uma obra de arte. Na realidade, são metas impossíveis, a não ser com referência ao superego ou alter-ego e ao extremo fundamentalista dos valores. Muitos artistas não procuram estes extremos, pois isso levá-los-ia a uma derrota precoce, dado indicar um fim concreto e inultrapassável. O artista evolui, sempre que, aproximando-se da ameaça do universal e do absoluto, abrir frechas no sentido do particular, do instável, da metamorfose e do movimento. É assim que caraterizo o percurso que podemos experimentar através destes testemunhos, dos trabalhos de Jaime Silva. Numa palavra, a virtude de aprofundar uma investigação artística, ao ponto de a fortificar e consolidar e, logo a seguir, ter a coragem de a pôr de lado para trilhar outro caminho para outras descobertas, originando recomeços constantes.